Em Portugal houve fortes razões para as eleições legislativas se terem tornado uma “escolha de primeiro-ministro”. No entanto, a fórmula de Governo do PS com o BE e o PCP, que cumpriu o mandato até ao fim, oferece pela primeira vez em democracia um quadro de estabilidade governativa, seja à esquerda seja à direita, baseado em coligações de partidos em vez de maiorias absolutas. Nestas eleições estará em causa o tipo de governação que se pretende alcançar: de coligação em blocos mais polarizados, ou maioritária e mais centrista.
Vale a pena olhar para a evolução do papel dos líderes partidários, e os dados da sondagem para tentar perceber as tendências. Os líderes partidários sempre foram importantes para os partidos, marcando-os desde a génese. Mas a partir dos anos oitenta, a revisão constitucional e a adesão à CEE contribuíram para tornar o primeiro-ministro a figura central do regime. Por um lado, com a revisão constitucional de 1982 o chefe do Governo tornou-se menos dependente do Presidente. Depois, a partir de 1987, na Assembleia da República, maiorias parlamentares disciplinadas cumpriam a vontade do Governo. Subjacente a esta dinâmica de personalização da política na figura do primeiro-ministro esteve a evolução do sistema partidário que garantiu a alternância entre PS e PSD, com maiorias absolutas alcançadas de parte a parte.
Essa dinâmica por sua vez teve consequências importantes para a forma como as eleições se ganham em Portugal. Talvez a principal tenha sido a de fomentar o voto útil, que favoreceu os grandes partidos, e prejudicou os pequenos. Se as eleições eram uma escolha do primeiro-ministro, então os candidatos dos principais partidos, os líderes do PS e PSD, dominavam as campanhas. Não surpreende, pois, verificar que a simpatia dos portugueses pelos líderes partidários destes partidos se tenha tornado um fator muito importante para explicar o voto em Portugal.
Como se sabe, no entanto, este quadro de ultraestabilidade partidária em torno da personalização do Governo na figura do primeiro-ministro tem vindo a sofrer algum desgaste na última década. Seja pela crescente fragmentação do sistema partidário seja pelo enfraquecimento dos dois grandes partidos. A somar a essas tendências que já vêm de trás, esta legislatura trouxe uma grande novidade: o facto de a ‘geringonça’ ter durado uma legislatura, e de nenhum dos partidos mostrar excessivos remorsos em relação a essa experiência é um sinal de que não descartam a sua continuação.
Assim, 2019 poderá ser uma eleição diferente: em vez de termos uma eleição para escolher o primeiro-ministro em que os candidatos a líderes do PS e do PSD seriam determinantes para explicar o sentido de voto dos portugueses, pressionando estes últimos a votar útil, seria uma eleição em que os portugueses poderiam votar mais “sinceramente” nos seus partidos preferidos, sem se preocuparem com maiorias absolutas, pelo contrário dando por garantido que os partidos, seja à esquerda seja à direita se entenderão num cenário pós-eleitoral de fragmentação partidária para formar governos estáveis.
Com todas as limitações que uma sondagem a seis meses das eleições tem, creio que esta indica que o modelo eleitoral de “escolha do primeiro-ministro” está desgastado, mas não pode ainda ser descartado. É verdade que o PS ficaria aquém da maioria absoluta se as eleições fossem hoje. Mas nesta sondagem como noutras anteriores, nem o BE nem o PCP sobressaem como os grandes beneficiários da governação da ‘geringonça’. À esquerda, os portugueses parecem estar a preparar-se para depositar desproporcionalmente os louros dos últimos quatro anos ‘utilmente’ no PS.
Para que o voto útil funcione, é também importante que os líderes dos principais partidos sejam populares no seu quadrante ideológico. Os dados desta sondagem indicam isso mesmo. De facto, António Costa é muito mais popular do que Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa entre os eleitores de esquerda. Já o alcance de Rui Rio é menor à direita, mas mesmo assim, é bastante mais popular do que Cristas, que vê assim mais longe a possibilidade de sonhar com uma repetição da eleição autárquica em Lisboa em 2017.
Além disso, análises dos dados eleitorais de votações passadas indicam que a importância que os líderes têm tido nas escolhas eleitorais dos votantes do PS e do PSD não diminuiu. Pelo contrário, ela aumentou nos últimos anos. Em parte, porque entre 2011 e 2015 a gravidade da crise económica diminuiu muito a percentagem daqueles que diziam que se identificavam com um partido. Entre aqueles que não se sentem próximos de nenhum partido, ou que se abstiveram na última eleição, o líder assume um papel (ainda) mais importante. Sem serem fiéis do partido, poderão acabar por ir votar no PS ou no PSD em outubro, atraídos pelo líder.
Em outubro veremos se a ‘geringonça’ modificou decisivamente a dinâmica eleitoral que convergia sobre a escolha de um primeiro-ministro. Grande parte da resposta será sinalizada para o eleitorado por parte dos próprios líderes quando afirmarem a sua estratégia de campanha.