Em Portugal, os últimos tempos têm sido de forte contestação social. Sectores como o ensino, a saúde, os transportes e a justiça têm sido frequentemente impactados por greves de trabalhadores. Nos últimos meses, quem assiste a um canal de notícias por mais de meia hora tem uma grande probabilidade de se deparar com diretos ou reportagens em que dirigentes sindicais, trabalhadores em protesto ou utentes dos serviços impactados pelas greves partilham com os jornalistas — e connosco — os seus pontos de vista. Quem tem filhos ou netos em idade escolar, recorre ao SNS para tratamentos médicos ou de enfermagem e/ou utiliza transportes públicos para chegar ao local de trabalho ou de estudo nem sequer precisa de ligar a televisão ou ler o jornal para saber que as greves passaram a fazer parte do nosso dia a dia numa medida superior à dos anos anteriores. Os dados oficiais validam esta conclusão. Por exemplo, no início de 2023, o Expresso noticiava que o número de pré-avisos de greve em 2022 crescera 25% face ao registado no ano anterior. Dois meses depois, um diário lisboeta informava que, em janeiro de 2023, os pré-avisos de greve tinham triplicado face ao período homólogo de 2022. As manifestações e os protestos laborais também se têm multiplicado.
Este cenário de intensa e frequente disrupção de serviços essenciais por motivos de greve poderia levar-nos a supor que os portugueses sentem já algum cansaço, uma espécie de fadiga grevista, potencialmente traduzível em opiniões como ceticismo face à greve enquanto instrumento de luta laboral, desconfiança em relação à justeza das reivindicações dos trabalhadores e, acima de tudo, vontade de exprimir o quanto estas greves têm impactado negativamente as suas vidas, dificultando as suas rotinas. Os resultados da sondagem ICS-ISCTE deste mês de março levam a crer que esta suposição não está correta. De facto, dois em cada três inquiridos acreditam que as greves continuam a ser, tal como no passado, uma forma importante de os trabalhadores defenderem os seus interesses. Mais: três em cada quatro inquiridos consideram justas as atuais reivindicações dos médicos, enfermeiros e professores. Estes dados são particularmente interessantes se lidos em conjunto com o facto de a saúde e a educação partilharem com a economia e a inflação os lugares cimeiros na lista de preocupações dos portugueses, de acordo com o “Eurobarómetro 98”, de janeiro de 2023. Por fim, quase 75% dos participantes na sondagem ICS-ISCTE dizem que a sua vida tem sido pouco ou nada afetada pelas greves. Este ambiente social, associado à avaliação tendencialmente negativa da maneira como o Governo tem respondido às reivindicações dos trabalhadores em greve, faz com que não nos surpreenda o facto de a grande maioria dos participantes na sondagem ICS-ISCTE deste mês considere que a contestação social em Portugal vai continuar como está ou até mesmo aumentar nos próximos tempos. Se a sua intuição estiver certa, 2023 não vai ser um ano fácil para o Governo.