Por Pedro Adão e Silva e José Santana Pereira
Os portugueses estão cada vez mais afastados dos partidos. A afirmação é feita inúmeras vezes e tem um fundo de verdade — se olharmos, por exemplo, para as taxas de confiança nos partidos políticos, que se situam quase sempre abaixo dos 25 pontos percentuais. Também esta sondagem revela um número significativo de portugueses que não sentem simpatia por nenhum partido em particular (44%). Apesar disso, há elementos que nos devem levar a duvidar do pressuposto de que, hoje, a identificação partidária conta pouco. Como veremos em seguida, o que os portugueses pensam sobre os serviços públicos e a avaliação que fazem da sua qualidade é muito influenciada pelas suas afinidades partidárias.
Apesar de os inquiridos não serem particularmente generosos na avaliação que fazem dos serviços públicos, todas as áreas incluídas nesta sondagem apresentam valores favoráveis, situando-se a saúde no ponto intermédio da escala de avaliação (5) e as escolas, a universidade, os transportes e as forças de segurança pública um pouco acima – ou seja, os portugueses não estão muito contentes com os serviços públicos, mas, também, não estão muito insatisfeitos. Curiosamente, recorrer ou não recorrer a estes serviços pouca diferença faz: as opiniões de utentes e não utentes são idênticas, com duas exceções – quem teve contacto recente com as forças de segurança pública avalia o serviço que prestam de forma menos positiva, enquanto quem recorreu aos transportes públicos expressa uma opinião mais favorável da qualidade deste serviço.
É sabido que, em momentos de recuperação da economia, as prioridades políticas se alteram, com a preocupação com o emprego a perder relevância relativa. A este respeito, o Eurobarómetro do Outono de 2018 já mostrava que a saúde (a par da segurança social) era uma preocupação partilhada por uma proporção considerável de cidadãos portugueses. Nesta perspetiva, o facto de a saúde ser o serviço público menos bem avaliado não é surpreendente, se tivermos em conta o historial recente de contestação no sector.
É neste quadro que deve ser interpretada a saliência que a discussão sobre a qualidade dos serviços públicos tem assumido na agenda política recente e que, certamente, continuará a marcar o ano eleitoral. E é, precisamente, o crescendo de saliência política do tema ‘qualidade dos serviços públicos’ que pode ter levado a que as inclinações políticas dos portugueses passassem a ser mais mobilizadas quando foram desafiados a pronunciarem-se sobre a matéria.
Sintomaticamente, quando analisamos, de entre vários fatores (idade, género, instrução, utilização dos serviços, simpatia partidária e ideologia), aqueles que melhor explicam diferentes avaliações dos serviços públicos, identificamos um padrão claro: a simpatia partidária é sempre relevante, quer se trate da avaliação da saúde, do ensino superior, das escolas, dos transportes públicos ou das forças de segurança. Em particular, os inquiridos que expressam simpatia pelo Partido Socialista fazem avaliações mais positivas da qualidade dos serviços públicos.
Aliás, esta avaliação por áreas é consistente com o posicionamento global dos portugueses sobre o que se passou com os serviços públicos desde a entrada em funções do atual governo. Se a maioria dos inquiridos (52 por cento) considera que a qualidade dos serviços públicos ficou na mesma – enquanto 27 por cento reconhecem melhorias e apenas 17 por cento acha que pioraram –, a verdade é que, uma vez mais, há uma relação forte entre predisposições políticas e perceção de que a qualidade se deteriorou. São apenas 3% os simpatizantes do PS que identificam uma degradação dos serviços, contra 33 por cento entre os do PSD. Se considerarmos a clivagem esquerda/direita, os valores são semelhantes.
No fundo, um pouco como os protagonistas de O Feiticeiro de Oz, que viam tudo verde na Cidade das Esmeraldas, devido aos óculos com lentes dessa cor que eram obrigados a utilizar, também os portugueses usam óculos coloridos quando olham para a qualidade dos serviços públicos: se simpatizam com o partido no governo, a realidade ganha tons de verde; de contrário, o panorama muda ligeiramente de cor. No fim de contas, como revela a sondagem ICS/ISCTE, os óculos com que se olha para o mundo continuam a ter matizes partidárias.
Muiti significativo é o facto da grande maioria (69%) considerar que a qualidade dos serviços está igual ou pior desde que este governo está em funções, em consequência da degradação que se vem verificando na administração pública portuguesa.
Não foi nunca estranho e menos o será hoje que os inquiridos tentam influenciar o inquérito. Por outro lado, o “apartidarismo” afirma-se como uma “defesa” dos indivíduos à pressão comunicacional de que os partidos são todos iguais e são todos maus. Esse é a narrativa que é preciso desconstruir para que as pessoas possam escolher, assumir e defender as suas ideias e opções com confiança. Outra coisa é péssimo serviço ao país e põe em causa o regime democrático.