Por Marina Costa Lobo (ICS-ULisboa)
A democracia portuguesa casou com a (então) CEE ainda adolescente. Éramos ignorantes e interesseiros. Agora na maturidade, e depois de uma separação temporária, decidimos renovar os votos. Com mais maturidade, mas mantendo os vícios de sempre.
Os portugueses sempre foram grandes entusiastas da Europa. Desde 1986, a classe política, de Mário Soares a Cavaco Silva, entendeu a CEE como um seguro de vida para o regime democrático. Seja do ponto de vista político, já que a UE era o clube das democracias mais consolidadas do mundo. Seja do ponto de vista económico, porque potenciava aquilo que o regime podia fazer para melhorar o nível de vida aos portugueses.
No entanto, por parte do eleitorado português, esta mensagem foi captada apenas em parte. Até à crise da zona euro, a UE era apoiada entre os cidadãos sobretudo por razões de benefício económico. Talvez por isso o entusiasmo pela Europa sempre tenha coexistido com um desinteresse muito grande. Basta dizer que em 2009 e 2014, só votaram 37% e 34% dos eleitores nas eleições europeias, respetivamente.
Perante este quadro generalizado de apoio desinformado com base em interesses económicos, a crise poderia ter levado ao divórcio. E de facto, entre 2011 e 2013, a insatisfação com a UE manifestou-se nos inquéritos. Sabemos que o PCP e o BE defenderam mesmo a saída do euro (e da UE?), e até o PS ensaiou um euroceticismo, ainda que mais moderado.
Afinal, esta sondagem mostra que foi só uma separação temporária. Apesar das condições do bailout impostas pela troika, e das políticas de austeridade seguidas entre 2011 e 2014, vemos que uma maioria de 57% de portugueses acha que Portugal beneficia de ter adotado o euro como moeda, e 70% discordam da saída de Portugal do euro. Mais: a consciência de que as decisões económicas são tomadas em Bruxelas não impede uma maioria relativa (47%) de considerar que as decisões económicas tomadas pela UE deviam condicionar ainda mais as políticas económicas nacionais. Talvez pela maturidade com que olhamos para o nosso sistema político, reforçado pelo terceiro empréstimo ao FMI em 40 anos.
Porque é que os portugueses renovaram os votos com a Europa? Por um lado, o clima económico e social ajuda a explicar esta melhoria nas atitudes da opinião pública. Por outro, é preciso ver as mudanças no posicionamento dos partidos. Sabemos que o que se pensa sobre a Europa é filtrado pelos partidos nacionalmente. Por um lado, o PSD vê na UE uma garantia de ortodoxia económica em Portugal. À esquerda, o entusiasmo é mais curioso. Há pelo menos duas explicações para esta aparente reconciliação do eleitorado: uma é que a narrativa do Governo de que é possível virar a página da austeridade no quadro da zona euro vingou. A outra é que apesar da narrativa, este Governo aplicou a receita de Bruxelas e conseguiu alguns resultados que reconciliaram uma boa parte da esquerda com a Europa.
No seu conjunto, economia e política conspiraram recentemente para a renovação de votos com a Europa. Tal como nos casamentos renovados, no entanto, não eliminámos os vícios do passado: os portugueses continuam pouco informados e apáticos. Aliás, como as perguntas que fizemos neste inquérito sobre conhecimento concreto destas eleições europeias demonstram.