Uma das perguntas colocadas nas sondagens ICS/ISCTE é sobre a intenção de voto numas hipotéticas eleições legislativas. A sondagem divulgada na passada 6ª feira, cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 15 e 27 de Junho, gerou os resultados no gráfico abaixo:
22% dizem desde já que não tencionam votar nesta eleição ou que em geral nunca votam. Obviamente, este valor não é uma previsão da abstenção, não só porque estamos longe da eleição mas também porque os resultados das sondagens, de todas as sondagens, resultam de amostras de inquiridos que aceitam responder a sondagens, e que tendem a ter também uma predisposição para votar superior à da população que não lhes responde. Seja como for, comparando sub-amostras, fica-se com uma indicação da predisposição diferencial para votar de diferentes grupos da população.
Estas comparações são importantes porque podem ajudar a decifrar um aparente enigma da evolução das sondagens eleitorais nos últimos meses. Quer a sondagem ICS/ISCTE quer sondagens feitas por outros institutos mostram uma descida quer do PSD quer do CDS nos últimos meses:
O enigma é simples: como podem descer as intenções de voto no PSD sem que o CDS beneficie, ou vice-versa? Ou por outras palavras: para onde está a ir o eleitorado de direita e centro-direita? Estará uma parte desse eleitorado a abandonar os dois principais partidos dessa área política em favor de outros partidos mais pequenos? Estará a ponderar votar em partidos de esquerda? Ou estará, simplesmente, desmobilizado?
A resposta mais rigorosa exigiria um estudo de painel, ou seja, que se fossem entrevistando as mesmas pessoas e acompanhando as suas mudanças de opiniões e atitudes ao longo do tempo. Mas não existe, em Portugal, um painel desse tipo. Contudo, é possível fazer outra coisa: voltar ao gráfico inicial de intenção de voto mas, em vez de olhar para a totalidade dos inquiridos, separá-los por posicionamento ideológico: Esquerda (0 a 4 numa escala em que 0 significa a posição mais à esquerda e 10 a posição mais à direita); Direita (6 a 10 na mesma escala); e a posição 5, exactamente no centro da escala. O resultado está no gráfico abaixo.
O eleitor da “posição central” da escala, 5, onde se misturam inquiridos genuinamente centristas com pessoas pouco interessadas na política, apesar de estar neste momento mais inclinado a votar num partido de esquerda do que num partido de direita, está também, em grande parte, indeciso (18%) ou pouco propenso a votar (25%).
Quando olhamos para os eleitores que se posicionam à esquerda, mais de dois em cada três (69%) concentram-se nos principais partidos dessa área política (PS, CDU ou BE). Apenas 2% afirmam tencionar votar no PSD ou no CDS e só 10% declaram que não tencionam votar nesta eleição.
Contudo, entre os eleitores que se posicionam à direita, passa-se algo substancialmente diferente. A primeira hipótese, a dispersão por partidos mais pequenos, não parece ser especialmente relevante (6%, contra 10% na esquerda). A segunda hipótese não pode ser rejeitada: enquanto apenas 2% dos eleitores que se posicionam à esquerda ponderam votar em partidos de direita, o movimento inverso pesa 10% entre os eleitores de direita. Mas o problema principal parece ser a desmobilização: enquanto a abstenção declarada entre os eleitores de esquerda é de 10%, ela sobe para 22% entre os eleitores de direita. Neste momento, a propensão para a abstenção entre o eleitorado de direita mais do que duplica a encontrada entre o eleitorado de esquerda.
Assim, quando se pergunta como podem PSD e CDS descer simultaneamente nas sondagens em vez de vermos um subir à custa do outro, o que se está realmente a perguntar é “para onde vai o eleitorado de direita?”. E neste momento, a resposta principal é que uma parte significativa desse eleitorado se encontra desmobilizada, sem intenção de votar nas eleições.
Não é possível dizer com certeza em que medida o fenómeno é novo. Mas é interessante notar que, no estudo de Fevereiro, esta diferença não existia: a intenção de não votar entre os eleitores de direita era praticamente igual à encontrada entre os eleitores de esquerda. É possível especular que o eleitorado de direita esteja a viver a “desilusão” dos resultados das eleições europeias, mas também que outro factor coincidente no tempo esteja a causar esta desmobilização. É também possível que ela venha a ser total ou parcialmente revertida à medida que as eleições se aproximem. Mas se for esse o caso, será na direcção do voto no PSD ou no CDS, num partido de esquerda, ou no voto num dos outros partidos potencialmente mais atraentes para um eleitor de direita (IL, Chega ou Aliança, por exemplo)? Em Setembro próximo, reexaminaremos esta questão.