Um partido que não para de crescer

Pedro Adão e Silva, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Paula Vicente, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

A estabilidade aparenta ser a marca de água do sistema partidário português. Olhando para os mais de 40 anos de democracia, apenas quatro partidos obtiveram sistematicamente representação parlamentar em legislativas (CDS, PSD, PS e PCP) e, ultrapassado o período da consolidação, apenas outras quatro formações foram capazes de romper a barreira que impede a eleição de representantes: o PRD em 1985, o PSN em 1991 e, mais recentemente, o BE em 1999 e o PAN em 2015. Visto assim, o sistema português parece estar a resistir bem à vaga populista que se verifica na Europa e a alguma erosão dos partidos que formaram o regime democrático. A resiliência dos partidos portugueses contrasta com o colapso de muitas formações congéneres, em particular na Europa do sul.

Contudo, esta imunidade relativa talvez esteja sobrevalorizada: por um lado, a abstenção tem subido de forma sistemática, para valores que são dos mais elevados na Europa, dando conta de um afastamento crescente dos eleitores (em 2015, apenas 50% dos eleitores escolheram partidos que elegeram deputados); por outro, num aspeto que tem sido menos notado, há um número crescente de portugueses que vota em partidos que não obtêm representação parlamentar (3,2% nas últimas eleições para a Assembleia da República). Se a esse número se acrescentarem os votos brancos e nulos (2,1%), obtém-se um valor superior a 5%. Esta percentagem tem aumentado nos últimos atos eleitorais, revelando que há um partido que tem crescido de forma sustentada em Portugal: o daqueles que se deslocam às urnas para votar branco, nulo ou em partidos que não elegem representantes. A Figura 1 dá conta desta evolução ao longo do tempo. 

Fonte: Comissão Nacional de Eleições (http://eleicoes.cne.pt)

Figura 1.Distribuição dos votos em partidos sem assento parlamentar e votos brancos/nulos (%)

Após o período de transição para a democracia, a percentagem de votos em partidos que não elegeram deputados declinou e esta tendência acentuou-se, aliás, após a eleição de 1987. Em parte, poderá ter sido consequência de novos partidos terem sido capazes de passar a ter representação parlamentar, mesmo que de forma efémera (foi assim com o PRD e com o PSN). Sintomaticamente, o valor mais baixo acabaria por ser alcançado nas legislativas de 2002, momento em que o BE (em parte herdeiro de um partido com representação parlamentar após o 25 de abril, a UDP) consolidou a sua representação parlamentar, juntando-se a CDS, PSD, PS e PCP como partido com presença sistemática na Assembleia da República (elegeu deputados em seis eleições). Após 2005, há uma clara inversão da tendência, com os votos em partidos sem assento parlamentar a duplicarem numa década, ao mesmo tempo que os brancos e nulos também crescem. 

Será interessante ter alguma perceção do perfil destes eleitores. Com base nos dados da sondagem ICS/ISCTE de março 2019, pode tentar-se uma caracterização sociodemográfica e ideológica, ainda que rudimentar, uma vez que este grupo representa apenas 7% da amostra do estudo. Tendo em consideração a resposta à simulação de voto em urna, os inquiridos foram agrupados em três categorias: eleitores que votariam em algum dos partidos com assento parlamentar (PPD-PSD, PS, BE, CDS-PP, PCP-PEV e PAN), eleitores que votariam branco, nulo ou noutro partido, e eleitores potenciais abstencionistas (que ainda não sabem em quem votariam ou que manifestam, já, que não votarão). 

A sondagem revela, então, que no grupo dos que votariam branco/nulo ou em partidos sem assento parlamentar há uma predominância dos homens (59%) (Figura 2). Este resultado está em linha com o que é conhecido de outros casos, onde os homens têm maior propensão para votar em formações partidárias de cariz populista (e.g. Spierings e Zaslove, 2017)

Figura 2.Distribuição masculino/feminino por intenção de voto

Em termos etários, a maioria dos que votariam branco/nulo ou em outros partidos tem idade entre os 45 e 64 anos (Figura 3). Cruzando este dado com a distribuição por género, pode concluir-se que são os homens nos anos de ouro da sua vida ativa quem está mais descontente com o sistema partidário.

Figura 3.Distribuição etária por intenção de voto

Figura 4.Distribuição do nível de instrução por intenção de voto

Quanto à escolaridade, são precisamente os mais qualificados (com instrução de nível secundário ou universitário) que se revelam mais predispostos a não votar nos partidos com assento parlamentar (49%) (Figura 4). Este resultado contraria a perceção de que o descontentamento com a oferta partidária existente está associado a baixas qualificações académicas e a eleitores mais periféricos, mas confirma, por exemplo, o que é sustentado noutros estudos, que revelam que os eleitores indecisos em Portugal são, precisamente, os que têm mais recursos educacionais (Lisi, 2010). 

A sondagem sugere ainda que, em termos de predisposição ideológica, os eleitores descontentes com a oferta partidária existente (i.e., os que votam branco/nulo/outros partidos e potenciais abstencionistas) não se posicionam marcadamente à esquerda (0 a 4 numa escala de 0 a 10) ou à direita (6 a 10, na mesma escala); a maioria posiciona-se no ponto central (5) da escala, assumindo alguma neutralidade ideológica (ver Figura 5). 

Figura 5.Distribuição da predisposição ideológica por intenção de voto

Porventura, reside aqui a explicação para o insucesso relativo das novas formações partidárias. Dos vários partidos que se têm constituído e que participarão pela primeira vez nos atos eleitorais que se avizinham, todos se posicionam num dos lados do espetro partidário. Olhando retrospetivamente, com a exceção do Bloco de Esquerda, os partidos que quebraram a hegemonia do CDS-PP, PPD-PSD, PS e PCP-PEV, afirmaram-se desvalorizando a clivagem esquerda/direita. Foi assim com o PRD, com o PSN e, mais recentemente, com o PAN. Talvez seja isso, de novo, que os eleitores procuram, o que sugere que a singularidade portuguesa talvez não esteja, apenas, do lado da procura, mas da inexistência de uma oferta adequada à demanda existente. 

Referências:

Lisi, M. (2010). O voto dos indecisos nas democracias recentes: um estudo comparativo. Análise Social, 194, 29-61.

Spierings, N. e Zaslove, A. (2017). Gender, populist attitudes, and voting: explaining the gender gap in voting for populist radical right and populist radical left parties, West European Politics, 40:4,821-847,

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