O que mudou?

Pedro Adão e Silva, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Paula Vicente, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

É tentador assumir que eventos associados a um espetro de crise política – como foi a recente controvérsia sobre a aprovação em comissão parlamentar do reconhecimento integral do tempo de serviço dos professores – podem produzir mudanças no comportamento dos eleitores, sobretudo quando ocupam o espaço de debate e comentário mediático ao longo de vários dias.

As duas mais recentes sondagens ICS/ISCTE, uma realizada em período anterior (22 Abril-3 Maio) ao dia do anúncio de ameaça de demissão do primeiro-ministro, e outra em período posterior (7-12 Maio), permitem, com as devidas ressalvas (uma vez que as amostras são diferentes), aferir o impacto daquela “crise política” no comportamento eleitoral. Em ambas as sondagens, o PS aparece com mais intenções de voto válidas do que o PSD, porém a diferença de resultados entre as sondagens não é estatisticamente significativa (e o mesmo é verdade para a variação na distribuição de votos pelos vários partidos) (Figura 1). Por outras palavras, os resultados não suportam a expectativa de que a “crise política” modificaria, no imediato, as intenções de voto nas eleições europeias.

Figura 1. Intenção de voto nas eleições europeias por período de recolha dos dados (%)

Na verdade, o que determina a mudança no comportamento eleitoral é o efeito agregado de uma sucessão de fatores e não a ocorrência de um evento específico e pontual. De facto, os eleitores vão acumulando motivos para votar no partido A ou B, uns de natureza racional e que se prendem com a avaliação que fazem das lideranças e dos posicionamentos ideológicos e programáticos, outros, mais conjunturais, que radicam na apreciação feita da governação e da economia e, ainda, outros, mais emocionais, e por isso mais difíceis de captar em estudos de opinião.

Nada disto impede que se questione sobre o posicionamento dos portugueses face à contagem integral do tempo de serviço dos professores para fins de carreira e salários. Nessa perspetiva, não é politicamente irrelevante que 42% dos inquiridos se mostre contra a contagem integral do tempo de serviço dos professores (sendo que 20% não tem opinião/recusa responder). No entanto, é bem mais relevante saber que a atuação do Governo e do PS recolheu uma avaliação mais positiva do que aconteceu com as outras forças políticas – 46% dos inquiridos considera que o Governo agiu bem ou muito bem, o que compara com 16% de inquiridos a avaliarem positivamente a atuação do PSD (Figura 2) – e que a proporção de opiniões favoráveis àquela posição é sensível às simpatias partidárias dos eleitores.

Figura 2. Avaliação da atuação dos partidos no caso da contagem integral do tempo de serviço para os professores (%)

Fazendo uma análise mais detalhada, considerando três grupos de eleitores (nas eleições europeias) – eleitores do PSD ou CDS; eleitores do PS; e eleitores do BE ou PCP –, verifica-se que a oposição ao princípio da contagem integral do tempo de serviço dos professores é expressa por 69% dos que tencionam votar PS, mas apenas por 44% dos que dizem ir votar no PSD ou CDS e por 47% dos que irão votar no BE ou PCP (Figura 3).

Figura 3. Opinião sobre a contagem integral do tempo de serviço para os professores por intenção de voto nas eleições europeias (%)

Já quando questionados sobre a avaliação do comportamento dos vários atores, os inquiridos mostram, de novo, variações sensíveis às preferências partidárias. A esmagadora maioria (89%) que tenciona votar PS considera que o Governo e o PS agiram bem ou muito bem naquela matéria (Figura 4b), enquanto que a prestação do PSD é vista positivamente por apenas 43% dos que dizem ir votar PSD ou CDS (Figura 4a). Já a atuação do BE e do PCP, que foi distinta da do Governo que suportam, é avaliada de forma positiva pelos seus eleitores (mais de 70% dos inquiridos que votarão BE ou PCP fazem uma avaliação favorável destes dois partidos) (Figura 4c). Ou seja, quer os eleitores do PS, quer os eleitores do BE ou PCP reconhecem-se na posição assumida pelos respetivos partidos, o mesmo não sucedendo entre os eleitores dos partidos de direita.

Figura 4a. Avaliação da atuação dos partidos, no caso da contagem integral do tempo de serviço para os professores, pelos eleitores que tencionam votar PSD ou CDS (%)

Figura 4b. Avaliação da atuação dos partidos no caso da contagem integral do tempo de serviço para os professores pelos eleitores que tencionam votar PS (%)

Figura 4c. Avaliação da atuação dos partidos no caso da contagem integral do tempo de serviço para os professores pelos eleitores que tencionam votar BE ou PCP (%)

Neste cenário, talvez seja expectável que a crise provocada pela divergência entre partidos sobre a contagem do tempo de serviço dos professores, mais do que mudar, no imediato, o sentido de voto, venha a reforçar a mobilização dos eleitores em torno dos partidos que tiveram uma atuação alinhada com a sua opinião (PS, mas, também, BE e PCP). Por outro lado, o impacto pode ser negativo na mobilização do eleitorado de direita, uma vez que estes eleitores não se reconheceram na posição dos partidos que os representam.

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