Populismo em Portugal: um gigante adormecido

Por Pedro Magalhães (ICS-ULisboa)

Procuremos, mesmo que seja apenas por alguns minutos, não sucumbir à tentação de usar a palavra “populista” pejorativamente. Tomemos também em conta o facto de que, enquanto o uso do termo se expandiu com significados cada vez mais indeterminados no comentário político, existe, pelo contrário, uma tendência na academia para crescentes convergência e rigor na definição do termo. Quem estiver interessado em medir, junto da opinião pública, a prevalência de atitudes “populistas”, como o poderá fazer?

Em 2014, Cas Mudde, um dos mais conhecidos especialistas do tema, propôs e testou, num trabalho realizado com Agnes Akkerman e Andrej Zaslove, um conjunto de questões a colocar em inquéritos de opinião com o objetivo de medir atitudes populistas entre a população. Primeiro, é preciso começar por definir “populismo”. Para Mudde, trata-se de uma “ideologia que considera que a sociedade está, em última análise, dividida entre dois grupos homogéneos e em antagonismo, o povo ‘puro’ e a elite ‘corrupta’, e onde a política deveria ser a expressão da ‘vontade geral’ do povo”. Dito de outra forma, o populista tende a imaginar um povo homogéneo e virtuoso, envolvido num conflito moral com uma elite também homogénea, mas na sua perversidade. Isto tem duas implicações. Por um lado, o populista olha com ceticismo para o pluralismo de interesses e preferências entre a população e para tudo o que, nas democracias representativas, foi engendrado para o gerir – instituições e regras que impõem limites à hegemonia de uma única ideia e obrigam a cedências e compromissos. Por outro, encara a “classe política” com hostilidade, recusando a divisão de tarefas entre representados (o povo) e os representantes (os políticos) e desconfiando da ideia de que os segundos agem primariamente segundo a vontade dos primeiros.

Deste ponto de vista, quem partilha atitudes “populistas” em Portugal? Muita, muita gente, segundo os resultados da Sondagem ICS/ISCTE. Questionados sobre se concordam com a frase “As diferenças políticas entre a elite e o povo são maiores que as diferenças políticas que existem no povo”, 73% concordam ou concordam totalmente, enquanto 58% fazem o mesmo em relação à ideia de que “em política, aquilo a que se chama ‘chegar a um compromisso’ significa na verdade abdicar dos próprios princípios”. Em suma, para maiorias expressivas dos portugueses, a principal divisão na sociedade é entre “elites” e “povo” e o compromisso político é uma falha moral. Já no que toca às atitudes em relação à própria classe política, as maiorias também são claras: as decisões mais importantes deveriam ser tomadas pelo povo e não pelos políticos (63% concordam), aos deputados cabe seguir a vontade desse povo (84% concordam), os portugueses preferiam ser representados por um cidadão comum em vez de um político profissional (60% concordam) e, claro, “os políticos falam de mais e fazem de menos” (86% concordam). Conjugadas as respostas a todas estas perguntas numa única escala, cerca de metade dos inquiridos concordam com todas as seis afirmações. No extremo oposto, em 802 inquiridos, apenas 2 (dois) discordam de todas elas.

Mas o mais interessante sobre o caso português não é bem isso. Esta bateria de perguntas tem sido aplicada em vários países do mundo, com os resultados portugueses a não serem muito diferentes dos encontrados entre países como, por exemplo, Grécia, Itália, ou Polónia. A diferença só aparece quando se procura determinar o perfil sociológico e político dos eleitores “populistas”. Quem são, e como votam? Sociologicamente, em estudos realizados em países como a Bélgica ou a Grécia, as atitudes populistas parecem ser particularmente intensas entre indivíduos com menor instrução e baixo rendimento — aparentemente apoiando teorias que colocam os reais ou potenciais “perdedores da globalização” como principais portadores desse ideário. Outros estudos mostram ainda que é entre os mais inquietos com a situação económica que as atitudes populistas prevalecem. Em países como HolandaItália, Espanha, França ou Grécia, a concordância em inquéritos com as questões apresentadas acima está também correlacionada com a propensão para apoiar determinados partidos, de esquerda ou de direita, dependendo dos casos. E em Portugal? Quando procuramos determinar que tipo de perfis políticos e sociológicos estão associados à partilha destas ideias, os resultados são completamente frustrantes. Homens vs. mulheres, urbano vs. rural, grupos de simpatia partidária, níveis de instrução, situações e atividades profissionais, perceções sobre o estado da economia, posicionamentos ideológicos ou em relação à integração europeia: as diferenças com relevância estatística são poucas, e todas elas de magnitude muito reduzida. Somos todos igualmente “populistas”.

Se pensarmos bem, é possível que não haja grande mistério nisto. Para que seja consequente, o populismo depende não apenas de uma procura social, que em Portugal claramente existe, mas também de uma oferta política e de oportunidades. Por outras palavras, precisa de ser “ativado” politicamente. Em todos os outros países que mencionei anteriormente, líderes e partidos adotaram um discurso populista em torno de temas concretos e salientes para determinados segmentos do eleitorado em determinados momentos. Sem isso, o populismo permanece social e politicamente difuso. Ao mesmo tempo, o sucesso dessa ativação aumenta quando uma sociedade está a passar por situações de crise reais (economia, escândalos políticos) ou imaginadas (“ondas de crime”, “invasões de refugiados”). O momento português atual também nisto não parece particularmente favorável. Usando uma imagem batida nestes assuntos, mas particularmente propícia, o populismo em Portugal é um gigante, mas um gigante adormecido. Por enquanto.

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