Quando ‘ver para crer’ não ajuda a conhecer

Por: Alice Ramos

Há perguntas que nos apanham de surpresa, ou porque nunca pensámos nisso e/ou porque não sabemos o suficiente para responder bem. Mas, mesmo assim, na maioria das vezes fazemos um esforço e tentamos responder o melhor possível com base na informação que vamos recolhendo de diferentes fontes, seja da nossa experiência direta, das conversas que temos ou do que lemos e ouvimos nos meios de comunicação social.

A última sondagem ICS/ISCTE tinha a seguinte pergunta: “Em cada 100 pessoas residentes em Portugal, quantas diria que não nasceram cá?” As respostas foram surpreendentes. Mas vejamos primeiro o que dizem os dados oficiais. Segundo os Censos 21, 10,5% das pessoas que vivem em Portugal nasceram no estrangeiro (não confundir com pessoas com nacionalidade estrangeira, que representam 5,2% da população residente). Ora, as respostas à sondagem sugerem que uma grande parte dos inquiridos tem uma perceção, digamos, desencontrada da realidade. Sem contar com 30% dos inquiridos que não responderam à pergunta, os restantes estimaram uma média de 33 em 100 residentes, um valor que, apesar de estar longe da realidade, não é inédito nem único. A mesma pergunta foi feita em 2014 no European Social Survey. Nessa altura não houve um único país onde a perceção fosse inferior à realidade, sendo Portugal o país onde o desvio médio entre realidade e perceção foi maior: 25% de residentes nascidos no estrangeiro (contra 8% nos Censos 11). Seguiu-se o Reino Unido com uma média de 27% (13%, Eurostat), França e Bélgica com médias de 26% e 29% respetivamente (12% em ambos os casos, Eurostat). Em 2021, o Eurobarómetro incluiu uma pergunta sobre a perceção do número de imigrantes no país. Em Portugal, 26% dos inquiridos responderam que havia entre 12% e 24% de imigrantes e 7% responderam que havia 25% ou mais (contra 8%, Eurostat).

Três fontes de dados em três momentos diferentes, a mesma tendência. E, na sondagem ICS/ISCTE, uma tendência transversal, independente do sexo, da idade, da escolaridade, do rendimento ou da posição ideológica de quem respondeu. Apenas as características da zona de residência surgem associadas à sobrerrepresentação dos residentes com naturalidade estrangeira: na Grande Lisboa, o valor médio foi de 38%; nas localidades com mais de 100 mil habitantes, o valor médio foi de 44%.

Um erro de perceção que pode vir a ter efeitos negativos: a rejeição da imigração e a aceitação acrítica de opiniões que veem a imigração mais como um problema do que como uma oportunidade. É por isso muito importante que os dados reais sejam do conhecimento público e que, ao contrário do que acontece, a população se sinta bem informada (no Eurobarómetro de 2021, 77% dos inquiridos portugueses disseram estar ‘nada informados’ ou ‘não muito bem informados’ sobre o tema da imigração). Tendemos a acreditar nas nossas perceções, naquilo que vemos, mas, como disse W. Deming, quem não conhece os dados é apenas mais uma pessoa com uma opinião.

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