“Toda a gente sabe” que as eleições são decididas pela economia. A ideia não é nova. Há mais de 50 anos, o cientista político americano V.O. Key escrevia que o eleitorado parece comportar-se como “um deus racional de vingança e recompensa”: castiga os governos quando as condições são negativas e presenteia-os com apoio quando as condições são favoráveis. Mas será exactamente assim?
A parte da “vingança” parece clara, e Portugal não é excepção. Anos de eleição que coincidiram com anos de recessão, tal como sucedeu em 1983, 2009 e 2011, implicaram sempre perdas eleitorais significativas para os partidos de governo. Mas ao longo da nossa democracia, nem sempre o crescimento económico e a criação de emprego trouxeram as recompensas eleitorais que os governos desejariam. Não é preciso recuar mais do que a 2015: eleições precedidas de vários trimestres consecutivos de crescimento económico e criação de emprego não impediram que os partidos de governo perdessem um quarto do seu eleitorado. Não é caso único: sabe-se que, em geral, os castigos trazidos pela “má” economia são muito maiores do que as recompensas que decorrem da “boa” economia. Mas por que será que isto sucede?
Há uma longa tradição de estudos de psicólogos e neurocientistas que mostram que as pessoas dão mais importância à informação negativa que à positiva. Em várias experiências, detectou-se que a actividade cerebral de pessoas confrontadas com imagens desagradáveis intensifica-se, permitindo que as identifiquem rapidamente como negativas e as guardem na sua memória de longo prazo. Em contraste, as imagens agradáveis não suscitam reacções tão rápidas ou intensas. Há até quem defenda que esta nossa característica resulta de uma adaptação evolutiva: para sobreviver, era mais importante evitar uma potencial ameaça do que perseguir um potencial benefício. Os benefícios podem ser obtidos noutro dia; mas sem reagir à ameaça, pode nem sequer haver outro dia.
Que tem isto a ver com a política portuguesa? No último Eurobarómetro, realizado em Novembro de 2018, questionados sobre os assuntos mais importantes actualmente enfrentados pelo país, 27% dos inquiridos portugueses escolhiam o “desemprego” e 16% a “situação da economia”. Se recuarmos a Novembro de 2013, essas percentagens eram, respectivamente, 71% e 39%. A implicação é que, à medida que a economia melhora, ela perde também importância, passando a competir com todos os outros temas pela atenção dos eleitores. Por exemplo, de 2015para 2018, a percentagem de portugueses que assinalavam “a saúde e a segurança social” como um dos assuntos mais importantes passou de 12% para 33%. Algo semelhante, de resto, sucede com a cobertura que a comunicação social dá aos diferentes temas. Apesar de não dispormos de dados recentes comparáveis para Portugal, sabe-se que, em geral, os meios de comunicação social reagem de forma assimétrica às boas e más notícias sobre a economia, dando muito mais atenção às segundas que às primeiras.
Contudo, uma manifestação adicional da assimetria com que eleitores reagem às tendências económicas é bem visível nos resultados desta primeira sondagem ICS/ISCTE para a SIC e o Expresso. Em 2011, no estudo pós-eleitoral realizado pelo ICS, 94% dos inquiridos respondiam que, no último ano, a situação da economia portuguesa tinha “piorado” ou “piorado muito”. Em 2015, no estudo equivalente, após mais de um ano de retoma económica, 58% continuavam a responder da mesma forma. E hoje? Ao longo de 2018, o desemprego baixou um ponto percentual, a economia cresceu mais de 2% em termos reais e o défice terá descido de 3% para 0,6% do PIB. E no entanto, as percepções subjectivas dos portugueses nesta sondagem acerca do que aconteceu à economia no último ano incluem as dos 40% para quem as coisas “ficaram na mesma” e até mais de 20% que acham que “pioraram” ou “pioraram muito”.
Tal como já sucedeu em 2015, não se trata (apenas) do natural atraso com que os eleitores integram a informação “objectiva” sobre a economia. Durante as crises, o espaço para a leitura subjectiva da evolução económica comprime-se: os eleitores estão atentos e dão importância ao tema, a comunicação social bombardeia o espaço público com más notícias, os sinais são claros. Mas quando as notícias são positivas, abre-se o espaço para a política. Tão positivas quanto poderiam ser? E em comparação com o resto da Europa? Ou com o passado mais distante? E as perspectivas futuras? É talvez por isso que, nesta sondagem, mais de metade dos eleitores que dizem simpatizar com o Partido Socialista ou que se posicionam à esquerda acham que a economia melhorou no último ano, mas apenas um em cada quatro dos simpatizantes do PSD ou daqueles que se posicionam à direita acha o mesmo. Quando as notícias são más, a economia afecta as atitudes políticas. Mas quando as notícias não são más, as atitudes políticas afectam a (percepção da) economia. O drama dos governos que presidem a uma crise económica é o de enfrentarem a inevitável punição dos eleitores em torno de um assunto que é visto como importante por quase todos. Mas os governos que presidem a uma situação económica positiva enfrentam outro drama, certamente preferível, mas igualmente inescapável: o assunto perde importância, e só é fácil convencer os que já são fiéis.
Há que considerar que, para a percepção subjectiva da economia concorrem, para além dos dados objectivos que referem (défice, desemprego, que talvez sejam de outra dimensão, abstractos, na verdade), os dados objectivos dos preços reais dos passes, do combustível, dos alimentos, etc. que, sendo certo, contabilizam subidas e descidas da economia de forma diversa, não deixam de informar “objectivamente” a percepção da mesma. As pessoas que fazem contas e administram regularmente os “deve e haver” do seu agregado familiar têm porventura uma noção “concreta” da economia que pode dar “saliência” aos aspectos mais negativos e contribuir para o ‘negativity bias’ a que aludem no texto. É muito simplista querer pensar que as respostas a sondagens (para além da ‘desejabilidade social’ que sempre acarretam) são determinadas por uma subdsimensionalidade das fontes de percepção da economia. Finalmente, há uma diferença substancial entre juízos ou percepções construídos na base de descrições (números oficiais da economia) e aqueles que decorrem de “amostragens” ou “experiência” directa da economia, que são tão ou mais comparáveis com experiências subjectivas anteriores do que as dos “números do défice” ou do “desemprego”.